terça-feira, 13 de abril de 2010

Novo Código de Ética Médica entra em vigor


Roberto d’Ávila odiou entrar no centro cirúrgico no ano passado. Desde a temperatura do ar condicionado até a forma “mecânica” como foi atendido, tudo foi reprovado.
Ele – cardiologista há mais de 20 anos e presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) recém eleito – usa agora a experiência de “paciente” para ser maestro do inédito processo de mudança de conduta de todos os médicos do País.
A partir desta terça-feira, dia 13, entra em vigor o novo código de ética médica, uma mudança que deve alterar toda a relação entre médico e paciente.
Foram dois anos de discussão para que 400 delegados de conselhos de classe definissem as 118 normas que vão estabelecer como médicos devem atuar em clínicas, hospitais, consultórios e outros serviços de saúde.
A revisão da prática médica limita até mesmo a atuação dos  médicos “pop-stars”: eles não podem fazer propaganda, exibir pacientes e tampouco fazer publicidade de seus consultórios. Os “doutores Hollywoods” foram para a berlinda.
Pacientes experts
O código de ética médica não era revisto há 22 anos. De lá para cá, não só a medicina mudou, mas os pacientes estão muito diferentes. Não é preciso ser experiente como d’Ávila para, durante uma consulta médica, questionar as decisões dos profissionais da medicina. Com a internet, são poucos os que chegam ao consultório sem o mínimo de conhecimento sobre sua condição e muitos questionam os médicos sobre tratamentos e procedimentos clínicos.
A Fundação Oswaldo Cruz, atenta ao fenômeno, divulgou, no ano passado, uma sobre o que chamou de “pacientes expert”. Os pesquisadores revisaram 15 estudos científicos que discutiram os efeitos na prática médica da busca por informações na internet antes da consulta médica. Entre prós e contras, ficou evidente a rede está fazendo com que doentes e familiares exijam do médico constante atualização, além de elevar o poder decisório do próprio paciente.
O fim do “reinado absoluto” dos médicos dentro dos consultórios é um dos pontos centrais do novo código. As novas regras fazem com que os pacientes sejam tão responsáveis pela escolha do tratamento clínico quanto os próprios médicos. Para isso, foi determinado que o profissional deve apresentar todas as possibilidades clínicas existentes – desde que comprovadas cientificamente – e deixar a escolha para o doente.
Isso pode afetar desde a linha terapêutica adotada para um simples resfriado, até as decisões tomadas na polêmica ortotanásia – também regulada pelo novo código de ética. A ortotanásia é termo médico usado para definir a morte natural do paciente, sem interferência de cuidados terapêuticos, quando não há mais possibilidade de cura. O procedimento agora é regulamentado para todos os hospitais.
“Acredito que para ser um melhor médico, todos os profissionais deveriam sentir na pele o que é ser paciente”, afirmou o presidente do CFM. Quando esteve “do lado de lá do balcão” percebeu que a comunicação é a principal falha entre doentes e profissionais de saúde. “Com o novo código, a tendência é melhorar a relação entre pacientes e médicos. O paciente nunca poderá alegar que o médico impôs o tratamento, será uma decisão partilhada.”
Punição por letra feia
Se os pacientes estão mais “antenados” e informados sobre a prática médica, quando o assunto é caligrafia, boa parte dos especialistas parece não ter passado pela pré-escola. Os “garranchos” nas receitas médicas foram avaliados por uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) e a constatação – publicada no ano passado – é que a letra ilegível pode até mesmo interferir no tratamento.
O novo código de ética médica também regulamenta o assunto e o profissional pode até ser punido pela “letra feia”. Na pesquisa da USP, por exemplo, foram analisadas 3.456 prescrições e uma em cada dez apresentava erro (ou falta de registro de CRM, ou letra ilegível ou nomenclatura errada). As especialidades que mais concentraram falhas foram Dermatologia, Urologia e Cardiologia.
Cirurgia plástica, reprodução assistida e outras áreas
Especialistas de todas as áreas serão regulados pelo novo código – e deverão ficar atentos à caligrafia – mas duas áreas ganharam destaque nas novas normas. A reprodução assistida – antes regida apenas por resoluções sanitárias – ganhou duas regras de conduta. É proibido escolher o sexo do bebê durante a fertilização (processo chamado de sexagem) e o profissional desde campo só pode trabalhar com um número limitado de embriões – para evitar as gestações de quíntuplos ou mais.
Outra área que ganhou normas específicas foi a da medicina estética e da cirurgia plástica. Os médicos só podem receitar depois de ver o paciente, não podem atuar em centros de beleza que vendem produtos ou oferecem serviços como manicures e pedicures e também não podem “diagnosticar” por veículos de comunicação.
Ao todo, são 118 novas normas de condutas. Confira as principais mudanças que definem novas regras em relação aos direitos dos pacientes e os deveres dos profissionais da medicina:

1- LETRA LEGÍVEL
A receita e o atestado médico têm de ser legíveis e devem ter a identificação do médico
2-DIREITO DE ESCOLHA
O médico deve apresentar todas as possibilidades terapêuticas – cientificamente reconhecidas – e aceitar a escolha do paciente
3-CONSENTIMENTO ESCLARECIDO
O paciente precisa dar o consentimento a qualquer procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte
4-ABANDONO DE PACIENTE
O médico não pode abandonar seu paciente
5-PACIENTES SEM PERSPECTIVA DE CURA
O médico deve evitar procedimentos desnecessários nesses pacientes. Em caso de doenças incuráveis, deve oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, levando sempre em conta a opção do paciente
6-PRONTUÁRIO MÉDICO
O paciente tem direito a receber a cópia do prontuário médico
7-SEGUNDA OPINIÃO
O paciente tem direito a uma segunda opinião e a ser encaminhado a outro médico
8-ANÚNCIOS PROFISSIONAIS
É obrigatório incluir o número do CRM em anúncios dessa natureza
9-PARTICIPAÇÃO EM PROPAGANDA
O médico não pode participar de propaganda
10-RECEITA SEM EXAME
O médico não pode receitar sem ver o paciente, seja por meio de veículo de comunicação ou internet
11-RELAÇÕES COM FARMÁCIAS
O médico não pode ter relação com o comércio e a farmácia
12-SIGILO MÉDICO
O sigilo médico deve ser preservado, mesmo após a morte do paciente
13-CONDIÇÕES DE TRABALHO
O médico pode recusar a exercer medicina em locais inadequados
14-DENÚNCIA DE TORTURA
O médico é obrigado a denunciar tortura, isso vale para atendimento de possíveis vítimas de violência doméstica, por exemplo
15-DESCONTOS E CONSÓRCIOS
O médico não pode estar vinculado a cartões de descontos e consórcios, em especial na área de cirurgia plástica
16-FALTA EM PLANTÃO
Abandonar plantão é falta grave
17-MANIPULAÇÃO GENÉTICA
O médico não pode participar de manipulação genética
18-SEXAGEM
A escolha do sexo do bebê é vedada na reprodução assistida
19-MÉTODOS CONTRACEPTIVOS
O  paciente tem direito de decidir sobre os métodos contraceptivos que deseja usar

Confira o texto completo da Resolução CFM Nº 1931/2009 que aprova o novo Código de Ética Médica
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